sábado, 15 de dezembro de 2007

"Viver é difícil"

Assim falou Niemeyer em seu aniversário de 100 anos: "viver é difícil". Olho um encarte da Fnac com livros de auto-ajuda. Parece que todos os segredos da vida foram revelados e tudo será mais fácil. Parece que está tudo lá, nos livros. Como ficar rico, como ser feliz, como ser bem sucedido. Mas Niemeyer serenamente diz que viver é difícil.

O que me espanta mais é a fertilidade do mercado editorial para esse tipo de baboseira. Surgem verdadeiras franquias destes livros que vendem aos montes. Isso me irrita mais do que franquias de filmes. Quem mexeu no meu não-sei-o-que para jovens, para mulheres e para executivos. E ainda geram dvds para explicar o livro. Peguei esse tal de "O Segredo" para ler em uma livraria e fui direto ao ponto e... é só isso? O segredo é o pensamento positivo? É mentalizar o objeto de desejo até conseguí-lo? Acho que já vi isso, mas não estava em um livro, estava dentro de uma lâmpada.

O Rabino Nilton Bonder foi entrevistado pelo JB há poucos domingos. Ele chamou essa classe de livros de pizza: é bom mas não alimenta. Eu diria mais, faz mal à saúde. Bonder lançará em breve um livro chamado "O Sagrado" em que fala da espiritualidade como o segredo da vida. Uma resposta ao famigerado "O Segredo". Caro Bonder, esse nome vai colar mais que aquela cola sua xará. Involuntariamente, talvez você esteja dando munição aos bandidos e criando mais uma franquia.

O que procuram esses leitores de livros de auto-ajuda? O que procuram fora de si? Olhem um pouco mais para dentro de si, a verdadeira descoberta está no EU. Está em saber a verdade pessoal que está dentro de nós. Isso não se aprende em livros. Não se aprende a viver nos livros. Cada um descobre à sua maneira. Não existe fórmula mágica. Vou repetir: "NÃO EXISTE FÓRMULA MÁGICA".

O milagre está dentre de nós. Algumas religiões até prometem resolver nossos problemas. Mas na religião encontramos conforto, fraternidade, encontramos a palavra amiga e a força para seguir adiante. Mas os problemas não se resolverão sozinhos. Para cada um novo obstáculo, um novo algoritmo.

Obrigado Niemeyer pela frase simples e verdadeira: "Viver é difícil". Esse pessoal da auto-ajuda necessita é de análise. Jung, Freud e Lacan neles!

"And when you want to live,
How you start? Where to go? Who you use to know?"
The Smiths

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Sobre Shows e Momentos Memoráveis

Continua chovendo para cacete. Ouço "Bring on the Night" enquanto escrevo a coluna da semana. É um disco maravilhoso, que turnê divina deve ter sido essa. É um disco que merece uma coluna inteira e ainda vou escrevê-la. O que me chama a atenção é que o dvd não faz jus ao álbum. No dvd o show parece morno, morno. Isso foi motivo de debate em uma lista de emails que faço parte. Ainda que alguns shows sejam considerados um marco, assiti-los na tv não dá a nítida sensação do que ocorreu in loco.

Contudo, há casos em que a mágica permanece. Como não se arrepiar ao assistir ao show do Queen no Rock in Rio 1? - show disponível no emule para quem quiser baixar - Felizes os que estiveram lá para cantar "Love of my Life" regidos por Fred Mercury. Também felizes são os que estiveram na Apoteose e giraram as camisas acima de suas cabeças quando Page & Plant tocaram "Rock'n'Roll". Foram momentos de catarse coletiva e quase religiosos, eu diria.

São esses momentos que tentamos preservar gravando e trocando com os amigos. Alguns viram bootlegs.

Momentos memoráveis aos montes tem um baixinho cuja bibliografia estou lendo. "Noites Tropicais" tem tantas histórias legais que é de dar inveja. Esse Nelson Motta é mesmo "O Cara"! Ele conviveu com a galera da bossa nova e frequentou todas aquelas festinhas musicais que rolavam na Zona Sul dos fins dos anos 50. Conhece todo mundo da música brasileira de A a Z. Passou pelos anos 80 com a galera do BRock. Descobriu Marisa Monte. Foi parceiro do Edu Lobo e do Lulu Santos em clássicos.

Namorou a Elis Regina, casou-se com a Marília Pera. Ainda por cima, foi a umas 5 copas do mundo. Foi membro do Manhattan Connection, e para completar o cara parece ser simpático para cacete e escreve muito bem. Espero ganhar a biografia do Tim Maia (olha a dica Papai Noel) até o meu aniversário (13/01).

Estou de férias e a próxima coluna será escrita em Manaus. Até Lá.

domingo, 9 de dezembro de 2007

A Máquina do Tempo

1987. Eu estava ansioso pelo show. Meu primeiro grande show de rock e com o meu grande ídolo Sting. Naquela época, então com 16 anos, tudo era apaixonante e cheio de superlativos. Eu fui ao show graças ao meu primo que me deu o ingresso. Fomos de cadeira de pista e ficamos bem róximos ao palco. Tênis All Star, camisa e bermuda, e a garganta cantando a plenos pulmões.

2007. Eu estava ansioso pelo show. Ontem, tudo parecia menos importante, apenas algo a se interpor entre mim e o show. Tênis All Star, camisa e bermuda. Entramos cedo, e ficamos falando amenidades a espera do grande momento. As palavras passavam a minha frente sem que eu as notasse. Era como em Confortably Numb: "your leaps move, but I can't hear what your saying".

Aos primeiros acordes de "Vital e sua Moto" já não era mais 2007, era 1987. Apesar da minha artrose constantemente me lembrar do peso de meus quase 37, ali, naquele momento eu tinha 16. Lembrei-me do meu primeiro show do Paralamas em 85. Hebert atacou os acordes iniciais de "Selvagem", música de mais de 20 anos, cuja letra poderia ter sido escrita há poucos meses atrás: "Meninos nos sinais, mendigos pelos cantos e o espanto está nos olhos de quem vê o grande monstro a se criar." Alguém não vê isso todos os dias?

Ao final de "Óculos" eu estava emocionado e cantava a plenos pulmões, a voz já rouca e vi minha vida passar a minha frente. "Ah meu Deus era tudo que eu queria"...

Chegou o grande momento. Eles entram no palco e nos atacam com "Message in a Bottle". Respondo com palmas e canto o mais alto que posso. Será que amanhã tenho aula na ETFQ? Será que tenho alguma prova? Já não me lembro que dia ou que ano estamos. "Synchronicity II" é a segunda, o povo pula e canta. Andy sola e parece nos cortar ao meio com a guitarra. Stewart destrói a bateria ferozmente, ele também parece ter voltado no tempo. Sting agradece em português e faz nossos corações baterem ao ritmo de seu baixo.

O desfile de sucessos em novos arranjos continua sem parar. "Driven to Tears" vem mais roqueira, sem o funkeado original e me surpreende. "Truth Hits Everybody" menos nervosa e punk que o original. Os meteorologistas previam chuva torrencial, mas São Pedro também gosta de rock e fez o céu abrir a tempo de"Walking on the Moon".

O show terminou com "Every Breath you Take" e depois "Next to You". A viagem terminara. 2007. Suado, rouco, mancando e com a alma mais leve, eu estava de volta ao futuro. Uma pena que meu afilhado de 15 anos, filho daquele meu primo do primeiro parágrafo, não pôde estar aqui. Gostaria de ter compartilhado esse momento com ele. Como seu pai fez comigo.

"...The future is but a question mark
Hangs upon my head there, in the dark..."